Como ser escritor com pouco tempo para dedicar à escrita?

Como ser escritor se o fantasma do bloqueio criativo está sempre rondando?

Como ser escritor se eu procrastino, se eu sempre deixo pra depois, pra quando as coisas estiverem melhor, mais tranquilas, mais propícias?

Você já se fez perguntas como essas? Você não está sozinho.

Este artigo foi inspirado em conversas com escritores que já passaram pelo que você está passando. Como eles resolveram essas questões?

Preste atenção nessas dicas:

*Este post faz parte do projeto A Saga do Escritor.

Como ser escritor: aprenda a criar o hábito da escrita

“O escritor que espera por condições ideais para trabalhar vai morrer sem colocar uma palavra no papel.” – E.B. White

Antes de começarmos, quero que você pense: quais são meus hábitos de escrita hoje?
Começo a escrever, e então paro, por não achar bom o que estou produzindo? Ou nem começo, seja porque fico pensando muito antes de escrever, ou porque não tenho um lugar apropriado, nem horário definido, nem um objetivo claro do que preciso fazer?

Estes são hábitos (ou a falta deles) que vão te impedir de seguir em frente, e podem atrapalhar o seu processo de criação.

No livro O poder do hábito, Charles Duhigg explica que o hábito é uma ferramenta do cérebro que tem como função poupar energia mental para ações que precisam realmente ser avaliadas conscientemente.

Se você estiver sempre pensando no que precisa ser feito, como precisa ser feito, em que horário, em que local, se vai ter internet, se você vai precisar de algum livro, algum material de pesquisa etc., quando você estiver realmente pronto para fazer, já vai ter desperdiçado muito tempo e energia mental.

Então como transformar a tarefa de escrever em um hábito? A chave é entender como os hábitos funcionam e, principalmente, como podem ser transformados.

Como funciona o loop do Hábito

“Transformar um hábito não é necessariamente fácil nem rápido. Nem sempre é simples. Mas é possível. E agora entendemos como.” – Charles Duhigg

O hábito funciona como um loop:

Começa com uma Deixa, estímulo que manda o cérebro entrar em modo automático, e indica qual hábito deve ser usado;

Leva à uma Rotina, que é a forma de executarmos a deixa;

Atrás de uma Recompensa, que ajuda o cérebro a saber se vale a pena memorizar este loop para o futuro.

Ou seja, nosso cérebro busca por estímulos, ele tem anseios. Alguns lugares, horários, objetos, pessoas etc. funcionam como deixas; as deixas disparam uma rotina, uma cadeia de ações que, uma vez completada de modo satisfatório, gera uma recompensa para o cérebro (em termos químicos mesmo).

Criando novos hábitos

Os hábitos podem ser benéficos ou prejudiciais. A diferença é que para criar bons hábitos é necessário disciplina no começo.

Existem várias teorias sobre o tempo necessário para a construção de um novo hábito saudável: uma diz que se repetirmos uma tarefa por 21 dias, ela se torna habitual; outra que essa repetição deve se dar por 30 dias; e há ainda quem diga que são necessários pelo menos 60 dias. A verdade é que não existe um número mágico, existem muitas variáveis.

Você vai precisar testar.

Escolha um período longo o suficiente para fazer a atividade de escrever se tornar uma rotina. Não desista até chegar lá.

Vamos precisar também de uma deixa e de uma recompensa.

Determinar o seu local de trabalho e os dias e horários que serão dedicados exclusivamente à escrita, é uma ótima deixa para disparar a sua rotina de escritor.

Sempre que você estiver naquele mesmo bat-horário e bat-local, seu cérebro tem que começar a entender que é hora de escrever, de criar.

1. Defina um local e um horário para escrever

“Escreva primeiro e sempre. Pintura, música, amigos, cinema, tudo isso vem depois” – Henry Miller

Vamos precisar de disciplina para criar a deixa.

Você quer ser escritor. Você assumiu o compromisso de escrever! Então, você não pode esperar pela musa. A inspiração é um elemento superestimado nas atividades criativas, além de reforçar o perverso e contraproducente “mito da criatividade”.

A verdade é que temos medo de produzir algo ruim, e então, se não houver uma inspiração divina para escrever, nem tentamos. Precisamos superar esse medo, e colocar as palavras no papel (ou na tela).

Defina seu local de trabalho

“Todo escritor tem que ter uma toca.” – Millor Fernandes

Bom, está na hora de procurar o seu lugar sagrado, a sua toca!

Encontre um local que te deixe livre de distrações e interrupções. Como disse Stephen King, no seu livro Sobre a escrita, “o espaço pode ser humilde e só precisa realmente de uma coisa: uma porta que você possa fechar”. A porta fechada, diz ele, “é a maneira de dizer ao mundo e a você mesmo que o assunto é sério.”

Há escritores que gostam de escrever em bares ou cafés, porque se inspiram com o que acontece em sua volta. Mas eu só aconselho isso esporadicamente, para se inspirar, tomar um ar, fazer anotações e dar um salve ao sol e à vida lá fora. Faça anotações de personagens, esboce diálogos, aproveite para exercitar descrições.

Mas mantenha-se fiel à sua toca. Na sua toca estão os seus livros, suas pesquisas, suas referências, seus mapas, sua luminária, seus amuletos. Ela é confortável, silenciosa e acolhedora.

“Na escrita e no sono, aprendemos a estar fisicamente imóveis ao mesmo tempo que encorajamos nossas mentes a se libertarem da monotonia do pensamento racional diário. (…) Como seu quarto, sua sala de escrita deve ser privativa, um lugar aonde você vai sonhar.” – Stephen King

 

Defina um horário

“Eu escrevo minhas histórias de manhã, e meu diário à noite.” – Anaïs Nin

A maioria dos grandes escritores começou conciliando seu trabalho remunerado com o trabalho da escrita. O que eles fizeram foi criar um tempo para escrever.

Para conciliar suas atividades, é preciso listar todos seus compromissos cotidianos e colocar a escrita no meio deles. Ou melhor, antes ou depois deles. NUNCA separe uma ou duas horas para escrever no meio de outras tarefas diárias.

Pense que mesmo com tudo organizado e planejado, leva um tempo até você entrar no “modo escrita”. E se você já estiver preocupado com o próximo compromisso do dia, vai ficar ansioso no processo. Tente alocar o seu horário de escrita logo cedo ou no final do dia.

Descubra seu horário de criatividade máxima. Quando seu cérebro está mais desperto? Ao acordar? Após o trabalho? Antes de dormir? Procure identificar o momento do dia em que você se sente mais desperto e produtivo.

Esse é o momento em que seu cérebro libera ondas gama, responsáveis pela hiperatividade e aprendizado ativo. Essa é uma ótima hora para produzir. Eu rendo melhor à noite, quando já terminei todo o resto. Há quem prefira de manhã, logo após fazer exercícios.

Experimente diferentes horários do dia, até descobrir qual é o melhor para você.

Determine os dias da semana para escrever. Quanto mais, melhor. Na verdade, a grande recomendação da maioria dos escritores é ESCREVA TODOS OS DIAS. Você pode pular um dia ou outro, como quem sai da dieta. Mas essa é a exceção, não a regra. Tão mais forte será o seu hábito de escrita quanto mais frequente ele estiver no seu dia-a-dia.

Mas eu não tenho todo esse tempo! Talvez não mesmo. Mas talvez você encontre tempo eliminando alguns hábitos ruins ou banindo (provisoriamente) algumas atividades comuns mas não essenciais.

“Ser livre, feliz e produtivo só pode ser conseguido através do sacrifício de muitas coisas comuns mas superestimadas.” – Robert Henri 

Coisas comuns e superestimadas:

    • Ler muita notícia, estar “antenado” com o que está acontecendo;
    • Ler e responder e-mails pouco importantes;
    • Se obrigar a terminar um livro ou um filme que você já percebeu que é ruim;
    • Gastar horas e horas pesquisando na internet etc.

Atenção, quando eu falo que em “superestimados”, estou falando em comparação ao sacrifício e à disciplina necessários para se criar o hábito da escrita.

Uma vez criado o novo hábito, sua rotina diária automaticamente vai se ajustando e, aos poucos, você pode voltar a incluir atividades que te dão pequenos prazeres e puro entretenimento.

A mesma coisa vale para distrações. Para qualquer escritor, mas especialmente para o escritor iniciante, é apropriado eliminar todas as distrações: celular, whatsapp, facebook etc.

Com tempo, você vai começar a filtrar essas distrações de forma natural. A questão toda está no início, nos dias, semanas ou meses que vão levar para você criar o seu novo hábito.

Nesse período, o melhor é tomar providências para suprimir qualquer potencial fonte de distração.

Enfim, leve em consideração todos os fatores que podem influenciar esse compromisso antes de estabelecê-lo. Uma vez escolhidos os dias da semana, o período do dia e o local de trabalho, permaneça firme neles. A escrita assim vai se tornando cada vez mais um compromisso diário intransponível.

E, a cada dia, mais prazeroso!

 

2. Defina uma meta diária de palavras

“Trabalhe de acordo com o programa, e não de acordo com o humor. Pare na hora prevista!” – Henry Miller

Agora, precisamos criar a nossa recompensa.

E a recompensa não pode ser a publicação do livro, uma conquista que está há, pelo menos, alguns meses de distância no futuro.

A recompensa precisa ser algo imediato e tangível.

Por isso, vamos utilizar uma meta diária de palavras como recompensa.

Ter uma meta diária de palavras, não apenas torna concreto um compromisso abstrato, como, uma vez alcançada, proporciona a satisfação necessária para o cérebro entender aquilo como uma recompensa.

Uma meta atingida é gratificante. E te leva dia após dia em direção à conquista final, que é terminar e publicar o seu livro.

Quantas palavras eu devo escrever por dia? Stephen King escreve 2 mil palavras por dia, todo dia. Não importa se é final de semana, Natal ou Dia da Independência. Isso dá cerca de 10 páginas por dia. Mais ou menos o tamanho deste artigo.

Hemingway escrevia bem menos, sua meta era de apenas 500 palavras diárias. E James Joyce, dizem, passava um dia inteiro escrevendo e reescrevendo palavras que caberiam em duas frases.

No livro Domine o Hábito da Escrita, S.J. Scott fala que o ideal é escrever mesmo 2 mil palavras por dia. Mas temos que considerar que se sua prática da escrita ainda é algo totalmente novo, talvez seja demais se colocar essa meta.

Bom, o conselho de Stephen King para os escritores iniciantes é o seguinte:

“Como acontece com os exercícios físicos, é melhor estabelecer uma meta baixa, de início, para não ficar desencorajado. Sugiro mil palavras por dia e, como estou me sentindo magnânimo, também sugiro que você tire um dia de folga por semana, pelo menos no início.”

Você não precisa escrever muito, só escrever com consistência e frequência. Criar uma meta que seja factível fará com que você consiga atingi-la, e assim receberá a recompensa por ter cumprido a meta. Quando você menos esperar, seu cérebro estará pedindo pelo prazer de concluir sua meta diária de palavras.

Outro lado: vale à pena contar palavras? Lembre-se que estamos usando esse artifício como uma técnica para tornar concreta uma intenção que é, do começo ao fim, um exercício qualitativo e não quantitativo. É claro que não adianta atingir a meta se o seu texto não fizer sentido.

O quantitativo aqui é uma baliza para ajudar a criar um hábito. Depois que o hábito entrar em você, você vai desenvolver suas próprias técnicas. E vai saber avaliar se um parágrafo bem escrito, o final de um capítulo bem resolvido ou uma imagem arrebatadora, valeu as horas dedicadas, mais do que se essas horas tivessem sido gastas escrevendo mil ou duas mil palavras.

A escritora Ana Rüsche adverte:

“A pessoa não pode avaliar se escreveu bem pelo número de palavras. Vejo muita gente iniciante escrevendo romances com 600 páginas sem trabalho de texto, sem gastar cérebro na trama, sem revisar cenário. Ou seja, escrever por quilômetros não é escrever bem.”

É também fazer as palavras contarem, e não somente contar as palavras.

 

3. Defina suas tarefas antes de começar a escrever

Escrever um livro é um projeto de longo prazo.

Uma maratona, uma jornada, uma saga.

“Imagine-se prestes a caminhar por, digamos, 100 km. Apenas pensar na dimensão e do tempo necessário para realizar essa tarefa já fará muitos desistirem antes mesmo de começarem. E muitos dos que começaram dificilmente chegarão ao final. São muitos fatores, muitas dificuldades, muitas variáveis das quais cuidar. Pelo amor de deus, são cem mil metros!” (trecho do livro Scrum para Escritores, de Alexandre Heredia)

Por isso, planejamento é necessário!

“Mas e se, em vez dos 100 km, pensássemos em apenas 10 km? Nos primeiros 10 km. Quantas ladeiras haverá nesse caminho? Será que você consegue fazer 10 km em um dia? Dois?”

Com a tarefa de escrever um livro devemos fazer a mesma coisa: dividir essa gigante tarefa em tarefas menores. E depois, menores ainda.

Até chegar em tarefas objetivas e pontuais que possam ser descritas no espaço de um post-it.

Eu perguntei para o escritor Ronaldo Bressane como foi o processo de escrita do seu último romance, Escalpo. Veja o que ele me disse:

“Levei um mês pra esboçar o argumento geral do livro, já com começo, meio e fim. Assim que eu desenhei o esqueleto, em 12 capítulos, fui delimitando o que eu queria contar em cada parte.

Em geral, escrever cada parte acontecia ou de tarde ou à noite: aqui preciso escrever uma cena de dia, um diálogo à noite, uma sequência de sexo, uma cena de violência etc.

Aí de manhã eu acordava umas 7h, ia correr, tomava café, voltava pro quarto da pousada e escrevia até umas 15h, 16h. Em seguida, no café onde eu ia almoçar, eu anotava ideias sobre o que escrever no dia seguinte. De noite, se tinha pique, editava o que tinha escrito de manhã.

Escrevi em ordem linear, o que deu muita velocidade à escrita.”

Ele escreveu as 256 páginas de Escalpo em apenas 50 dias.

A parte que mais nos interessa deste relato são as tarefas: preciso escrever uma cena de dia, um diálogo à noite, uma sequência de sexo, uma cena de violência etc.

O objetivo aqui é ter definido, para cada dia de escrita, tarefas como:

  • escrever a sequência de sexo do capítulo X
  • escrever o diálogo da cena Y
  • desenvolver a cena de violência do capítulo Z
  • revisar trechos A, B e C

Não estou dizendo que você deve ter as cenas, sequências e capítulos todos definidos de uma só vez. Estou dizendo que todo dia, antes de sentar para escrever, você deve ter uma lista de tarefas para cumprir naquela sentada.

As tarefas vão surgindo conforme você escreve o livro e pensa sobre ele. Registre todas as ideias de tarefa em post-its e pregue na sua parede. De um lado liste tudo o que precisa ser feito e do outro coloque as tarefas DO DIA.

4. Separe as ferramentas que você vai precisar

Não existem regras para escrever bem, mas há uma infinidade de ferramentas para auxiliar o processo da escrita.

Eu gosto de usar o método Pomodoro, onde trabalho focado por um bloco de 50 minutos, descanso 10 e então reinicio outro bloco de 50 minutos. Meça quanto tempo você se dedica à escrita, quanto produz em uma hora, quais os fatores que influenciam sua produção, e vá aprendendo sobre o seu próprio ritmo.

Defina também que software ou aplicativo de escrita você vai utilizar. Talvez seja interessante utilizar um aplicativo que salve instantaneamente o seu texto na nuvem, como o Google Docs, por exemplo. Ou algum software próprio para escritores, como o Scrivener.

Existem muitos métodos e aplicativos para aumentar a produtividade e evitar a procrastinação. Confira essa lista com 25 ferramentas para escritores super produtivos e separe todas que possam te ajudar a escrever mais e melhor.

Uma ferramenta indispensável é o Kindle Unlimited. Uma espécie de Netflix de livros. Por apenas R$19,90 por mês, você tem acesso a milhares de livros, inclusive livros sobre como melhorar sua escrita e obras de referência que serão muito úteis ao longo da sua jornada como escritor.

Como ser escritor | Conclusão

“Escrever é um ócio muito trabalhoso.” – Goethe

Recapitulando:

  1. Defina um local e um horário para escrever
  2. Defina uma meta de palavras diárias
  3. Liste as tarefas que precisam ser feitas
  4. Separe as ferramentas que vai precisar

Uma das premissas deste artigo é de que nós, escritores, podemos utilizar algumas técnicas para potencializar o nosso trabalho como escritor. (E isso não vai engessar nossa criatividade, pelo contrário. Nos deixa livres para pensar no que realmente importa: trama, personagens, diálogos, palavras, palavras, palavras).

Uma dessas técnicas é o SCRUM.

SCRUM é uma metodologia de gerenciamento de projetos criada para ser uma forma mais rápida e eficaz de criar softwares para a indústria da tecnologia. Mas a metodologia está sendo utilizada em diferentes tipos de projeto, de carros futuristas e viagens à lua até mudanças no sistema de educação e no combate à pobreza.

Baseados nos princípios de metodologias ágeis como o SCRUM, do design cognitivo e metodologias visuais, nós estamos criando umas cartinhas como essas que você viu no passo-a-passo deste artigo. Se quiser saber mais sobre esse novo método para escritores, clique aqui.

Criar um novo hábito não é fácil. Escrever um livro de 200 páginas que vale a pena ser lido, também não. Mas com disciplina, método e as ferramentas certas, é possível… e quando você tiver conseguido, vai ser fantástico!

Este artigo foi escrito em conjunto com Ana Squilanti.

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