Qual é a visão de mundo por trás do Blog Criativo?

Nem empregado, nem patrão

Quatro anos atrás, eu estava sentado diante de um capitalista de risco, o administrador de uma das maiores empresas de investimento em startups, e ouvi dele a seguinte pergunta:

– Você se considera um empreendedor lifestyle, que vai construir uma empresa de 20 milhões de dólares, vendê-la e aproveitar a vida; ou um empreendedor de alto impacto, que deseja construir uma empresa de 1 bilhão de dólares e transformar todo um mercado?

Dei a resposta que ele queria ouvir, mas sem convicção. Eu não fazia ideia do tipo de empreendedor que eu era ou queria ser. Lifestyle? Alto impacto?

Hoje talvez eu dissesse: nada mal esses 20 milhões, hein?

A verdade é que nunca quis construir uma nova corporação, nem mesmo uma que “não seja má”, com milhares de empregados e dezenas de acionistas; acordar às 5 da manhã, fazer uma caminhada e iniciar minha rotina de “alta performance”.

Aqueles 20 milhões me dariam o mais importante, a possibilidade de liberar o meu tempo. Não para “aproveitar a vida”, mas para escolher livremente o meu próximo projeto, decidir onde eu quero depositar o meu tempo e energia, sem amarras.

A boa notícia é que para fazer isso, você não precisa nem de 20 nem de 1 milhão de dólares. Você só precisa de um fluxo de renda mínima constante, proveniente de um ou dois pequenos projetos bem-sucedidos. Ou nem isso, pode ser apenas uma metodologia, um fluxo de trabalho, em que seus projetos criativos sejam autossustentáveis, incluindo aí o pagamento do seu tempo.

Tenha projetos paralelos

Não estou dizendo para você largar seu emprego (ainda). Empregos são ótimos enquanto estamos aprendendo, conhecendo pessoas e juntando um dinheiro. Mas, enquanto isso, tenha projetos paralelos.

Tire um dos seus projetos do papel agora. Essa decisão sozinha tem a capacidade de mudar completamente a sua vida, para melhor.

Levar em frente seus projetos pessoais não é apenas uma questão de autorrealização, é mesmo uma estratégia para alcançar uma vida mais plena.

Ter um projeto te dá:

Aprendizado. A melhor maneira de aprender alguma coisa é fazendo. Aprendemos 20% quando ouvimos, 50% quando vemos e ouvimos, 70% quando discutimos com outras pessoas e 80% quando fazemos (veja A pirâmide de aprendizagem de William Glasser).

Se você não tem muito dinheiro, invista em um projeto paralelo ao invés de se inscrever em um curso. Use blogs e tutoriais na internet para aprender o que precisa a cada etapa. De vez em quando, peça ajuda a um amigo, contrate um freelancer ou faça uma consultoria online com alguém que já tenha feito o que você está querendo fazer.

Quase tudo que eu aprendi de empreendedorismo, marketing digital, crowdfunding etc., eu aprendi fazendo!

Currículo e autoridade. Projetos paralelos se destacam no seu currículo. O Dicionário Criativo foi a minha porta de entrada no doutorado e no pós-doutorado, e foi o gancho para eu ser contratado pelo Google e pelo Museu da Língua Portuguesa.

Projetos paralelos te dão autoridade no assunto, são seu melhor cartão de visitas. E não precisa ser um projeto da complexidade do Dicionário Criativo. O meu projeto de um baralho de cartas para empreendedores, que foi feito em 3 meses de trabalho paralelo, me aproximou dos principais players de empreendedorismo no Brasil e em Portugal.

Motivação. Trabalhar em algo que você acredita não apenas aumenta sua motivação e produtividade como te torna uma pessoa mais otimista. Sabe aqueles minutos antes de dormir, em que os pensamentos vagueiam para lá e para cá? Quando você tem um projeto, esses pensamentos tendem a ser criativos, uma prazerosa busca por soluções e ideias inovadoras ao invés de uma montanha de preocupações e ansiedades.

Ter projetos paralelos faz com que você tenha sempre algo novo sobre o que conversar. Te torna uma pessoa mais interessante, para si mesmo e para os outros.

Conexões. Você precisa conhecer o Luís, ele tem um projeto que é a sua cara! A Ana pode te ajudar com isso! Sabia que você ia adorar conhecer a Clara! Minhas amizades mais fortes e minhas conexões mais sólidas foram construídas em torno de projetos.

É preciso se conectar com muitas pessoas para levar um projeto a cabo, fazer muitas parcerias. Pessoas que vão trabalhar lado a lado com você ou que vão contribuir pontualmente no seu projeto, pessoas que vão te apontar caminhos, que vão divulgar o seu trabalho, que vão usufruir do seu produto.

Quando pessoas se unem para compartilhar visões de mundo e construir algo juntas, o laço entre elas se fortalece de uma maneira especial.    

Enfim, tenha um projeto! E tudo bem se não ele não atingir o sucesso que você imaginava de início. Tudo o que foi listado acima funciona para projetos com maior ou menor sucesso. Neste caso, funciona a máxima de que o que importa é o caminho.

Você não pode fazer tudo, mas e daí?

Você já deve ter ouvido que “você pode fazer tudo” ou que “você pode ser quem você quiser”. Eu não acredito nisso. Esse tipo de frase motivacional tem o mérito de nos colocar para andar, mas corre o risco de nos colocar para andar em falso, sobre uma esteira atrás de um sonho impossível de alcançar.

O contexto em que você nasce, sua situação econômica e social, as habilidades que você teve condições ou não de desenvolver, tudo isso construiu quem você é hoje. A capacidade de realizar um projeto depende de fatores biológicos, psicológicos e sociais; exige o alinhamento de várias características, dentre as quais o esforço pessoal é apenas uma. Talvez uma das mais importantes, mas de certo não a única.

Mas isso não é um problema, é? A criatividade muitas vezes é definida como a capacidade de criar algo novo e de valor à partir dos elementos disponíveis. O mesmo vale para aquilo que queremos ser e fazer.  

Apesar de não podermos fazer tudo, nós podemos fazer o melhor daquilo que temos e que somos, não apenas com esforço, mas com criatividade. Você sempre pode avançar para o melhor possível adjacente. Organizar os recursos disponíveis e dar o melhor próximo passo, não em direção ao sonho, mas em direção à realização do sonho.

Criativos não reclamam e pouco criticam

Reclamar é contra-produtivo. Quando reclamamos, desperdiçamos uma energia catártica que seria utilizada na solução do problema, caso estivéssemos de fato interessados em resolvê-lo. Reclamar e criticar enfraquece a ação. Desperdiça tempo, energia, afasta pessoas e quase nunca é efetivo.

Isso não tem nada a ver com aceitar o mundo como ele é. Tem a ver com melhorar o mundo com as ferramentas que temos, de forma efetiva. Há muito tempo que tomei a decisão de enfrentar as injustiças que se passassem na minha frente, de não me calar, de não deixar passar. E cada vez menos sinto necessidade de dar opinião sobre a polêmica da moda no Facebook.  

Economia justa, transparente, social e com significado

Começando de trás pra frente:

Economia com significado. No final de 2015, eu e outros empreendedores lançamos a campanha por um Natal dos 99%, um pouco mais justo, um pouco mais igual. A ideia era incentivar as pessoas a comprarem dos pequenos negócios. Ao invés de ir ao shopping e comprar um sapato, uma blusa ou qualquer outro produto fabricado em massa e onde o valor percebido está na etiqueta de uma das grandes marcas, por que não presentear com um produto feito à mão (talvez pelas suas próprias mãos), ou um livro independente, uma HQ, um CD ou um jogo financiados coletivamente?

Por que não presentear nossos amigos e familiares com um produto que tenha mais significado, um produto criativo, autêntico, produzido em pequena escala? Sabendo que, ao mesmo tempo, o seu ato de compra beneficia uma pessoa que você conhece. Ou se não conhece, entende que ela é gente como a gente.  

“Enquanto a maioria do mundo tem uma só arma (o poder de compra), você como empreendedor tem duas: o poder de comprar e vender com significado!” – Rafa Cappai

Economia social. Quando falo em fazer algo em que acredito, isso naturalmente envolve ajudar outras pessoas. Um dos projetos mais incríveis que já trabalhei foi o Primeiro Livro, um projeto que ensina língua portuguesa a crianças e jovens fazendo eles escreverem seu primeiro livro. Imagina poder ajudar um interno da Fundação Casa ou um aluno da escola pública a colocar seus sentimentos em palavras, suas emoções complexas em forma de literatura. No final do ano, fizemos uma campanha de financiamento coletivo para imprimir os livros da garotada e fazer uma noite de autógrafos. Quase 500 pessoas financiaram o projeto e tivemos o apoio de nomes como Milton Hatoum, Chico Buarque, Ziraldo, Marcelino Freire e Clara Averbuck, que doaram livros autografados para a campanha.

Economia justa e transparente. Não é fácil definir o que seria uma economia justa. Talvez seja o nome que podemos dar a tudo isso junto. Produzir e consumir com significado. Fortalecer comunidades locais. Desenvolver maneiras de produzir em parceria com outras pessoas, não explorando nem sendo explorada por elas. Contribuir para a diminuição da desigualdade. Valorizar a economia do cuidado. Compartilhar conhecimento.

Ser transparente com seus parceiros e transparente com sua comunidade, seus clientes, seus usuários, seus leitores. 

As pessoas precisam saber o porquê que você faz o que você faz, o que você ganha com isso, quais são seus motivos, sua visão de mundo, para saberem se desejam caminhar com você. Se o tempo e energia que elas dedicam ao seu lado contribuem para o crescimento delas e para um mundo melhor